Quando Pete Buttigieg começou a concorrer à indicação do Partido Democrata para a presidência nos EUA, tive um sentimento de profunda ambivalência.
Por um lado, o apoio popular que ele recebeu na primeira corrida das primárias em Iowa foi surpreendente, dada a natureza conservadora geral do Meio-Oeste. Fiquei satisfeito que um candidato abertamente gay pudesse se candidatar, falar sobre seu marido e não ser considerado um político marginalizado.
Mesmo assim, eu não estava muito animado com seu programa ou visão para os EUA, pois eles eram muito moderados, na minha perspectiva. Entretanto, ele falou claramente em defesa dos direitos LGBTQ+, foi muito firme em sua oposição a Trump e se tornou uma parte importante da coalizão que o derrotou em 2020.
Não fiquei surpreso com o anúncio de Eduardo Leite, visto que ele era candidato à presidência nas primárias do PSDB. Como entre as pessoas “entendidas” (por isso a origem do uso da palavra) sabia-se há muito tempo que ele era gay, parecia que ele estava apenas fazendo um “controle de danos” e escolhendo com cuidado o melhor momento para “sair do armário” com tempo suficiente para solidificar suas chances de ser o candidato presidencial do PSDB na eleições de 2022.
Nem fiquei surpreso quando ele declarou que não era um governador gay, mas um governador que por acaso era gay. Segundo meus amigos de Porto Alegre, embora ele não negasse que era gay nas inferências feitas por opositores políticos, ele não era um defensor dos direitos LGBTQ+. Além disso, suas políticas para professores de escolas públicas, entre outros funcionários públicos, têm sido horríveis.
Pior, ele apoiou Jair Bolsonaro em 2018, quando não era segredo quais seriam as políticas presidenciais de Bolsonaro. Todos no Brasil viram Bolsonaro defender a ditadura militar e o torturador de Dilma Rousseff durante a votação de impeachment na Câmara dos Deputados em 2016. É como um apoiador de Trump dizendo hoje: “Opa, não sabia que ele era tão mau.” Entre as muitas coisas que Trump e Bolsonaro têm em comum, está a característica de dizer o que realmente pensam e vão fazer ou tentar fazer.
Fico feliz que Leite tenha um namorado bonito e que ele finalmente possa ser aberto sobre sua vida pessoal. Assumir-se geralmente torna as pessoas mais felizes e mais bem ajustadas, pois elas não precisam mais esconder, mentir ou enganar. E pode ser preciso coragem, como tantos afirmaram sobre a declaração de Leite.
Se hoje Leite pode se declarar parte da frente anti-Bolsonaro, ele permanece firmemente no campo dos que promovem uma falsa narrativa: o país está polarizado entre Bolsonaro e Lula e devemos oferecer uma terceira via moderada. Qual é o programa exato da terceira via senão a promoção de candidatos que são defensores “modernos” do status quo? Qual é o programa de defesa dos direitos LGBTQ+? Qual é o programa para combater a desigualdade econômico-social e o racismo? Qual é o programa para defender a Amazônia da devastação? Qual é o programa de luta contra as mentiras e o ódio promovido por Bolsonaro e seus aliados?
Os debates que circularam na imprensa e nas redes sociais sobre a declaração de Leite e que mais me convenceram são aqueles que deixam claro que só porque um político é abertamente gay ou lésbica pouco adianta se suas políticas públicas não atender às necessidades de a esmagadora maioria dos gays, lésbicas e trans não apenas no enfrentamento da homofobia do dia a dia, mas também na estrutura social que torna suas vidas em geral tão difíceis.
Quero saber em que medida a sua “revelação” afetará a vida pública de Leite. Será que ele agora vai denunciar claramente Bolsonaro por sua homofobia, por seus ataques a políticos corajosos como Jean Wyllys, que diariamente enfrentava a direita radical no Congresso com milhares de ataques abertamente homofóbicos e ameaças constantes de morte?
Isso é o que realmente requer coragem; não apenas ignorando os recentes comentários de Bolsonaro contra ele ou chamando-o de imbecil, mas enfrentando-o em tudo o que ele representa e explicando ao eleitorado por que ele estava tão errado em apoiá-lo em 2018.
Do contrário, seu anúncio será tão significativo quanto foi o tempo do designer Clodovil como deputado federal: “cheio de som e fúria que nada (ou pouco) significa”.