Mais de um ano enfrentando a pandemia, entendo que possa estar nebulosa a questão do isolamento versus perdas econômicas. Isso porque, para a economia, as perdas humanas são tão ou mais críticas para a máquina da economia do que a paralisação de setores de produção, serviços e comércio.
Apesar de considerar a noção de que todos vamos morrer um dia e, por isso, podemos deixar que parte população seja sacrificada pelo benefício (suposto) econômico da nação um pensamento vil e cruel, eu compreendo que alguns possam ter passado a cogitá-lo depois do posicionamento (irresponsável) do Senhor Presidente.
Mas vamos pensar nas variáveis. Primeiro a questão de saúde. Sim, há quem se recupere do covid 19. Ninguém nega isso. Qual a motivação do isolamento então? Simples. O sistema de saúde não sobrevive ao pico da pandemia sem controle de disseminação do vírus. O problema não está somente em quem morre pelo vírus, mas no fato de que o número de internações será tão grande que todos os outros pacientes do sistema de saúde serão afetados.
Aí, vamos supor, que cheguem ao PS de um hospital um indivíduo com insuficiência respiratória causada pela infecção do covid 19 e uma vítima grave de acidente de carro? Quem será atendido? Para quem será dada prioridade de cuidado? O problema mora aí! O vírus é um inimigo comum a todos exatamente por isso! Suas vítimas precisam de tratamento hospitalar e internação com cuidados intensivos.
A contaminação pelo vírus é acelerada e ninguém tem anticorpos para ele (como alguns temos para a Zika, ou Dengue ou gripe influenza). Portanto, todos que tiverem contato, se contaminarão e, caso não se isolem, contaminarão outras pessoas. Esse é um resumo da questão da saúde e acesso à saúde que faz com que a OMS reforce cotidianamente a necessidade de isolamento.
Agora podemos pensar pelo lado da economia. A economia está sendo comprimida e corre o risco de colapsar com o isolamento? Sim, evidentemente. Então o isolamento deve ser suspendido? Não, suspender o isolamento não protege a economia! Pelo contrário, a torna ainda mais vulnerável.
Se o isolamento for suspenso (ou for adotado um isolamento vertical, em que só são isolados os indivíduos dos grupos de risco) o colapso virá de maneira mais intensa. E a razão é simples. Em caso de colapso do sistema de saúde os recursos públicos serão necessariamente drenados por esse setor, bem como (em partes) tem ocorrido agora. Porém de maneira muito mais emergencial e sem reserva de tempo ou recurso de manobra. Basicamente, o estado estará secando gelo!
O fim do isolamento coloca em risco a parte realmente produtiva da população, que é a força de trabalho (que são de fato os empregados). Afinal, uma empresa só com o patrão não faz muita coisa (exceto microempreendedores, que fazem parte do grupo de risco do vírus em uma contaminação em massa). Tenhamos em mente que o sistema de saúde (privado e, principalmente, público) estará sobrecarregado. A maior parte da mão-de-obra do país depende do SUS e não será possível atender a maior parte dessa população.
Ou seja, as perdas serão em cascata. Perderemos recursos humanos e financeiros de forma irreversível. E não haverá salvaguarda para isso! A crise que hoje se delineia é previsível, e por isso mesmo contornável. O estado pode e deve socorrer os mais frágeis economicamente, e é isso que os demais países (como o EUA) estão fazendo. Aí poderíamos questionar a dívida pública. Pois bem, ela já foi mecanismo de defesa econômica diversas vezes, e na maioria das vezes em governos liberais.
O estado brasileiro já se endividou comprando e queimando café, quando esse era o produto principal da nossa pauta de exportação. A ditadura militar, por exemplo, emitiu moeda e expandiu a dívida pública com institutos financeiros internacionais para impulsionar a indústria na década de 1970. Ou seja, não é mecanismo novo de ação. E essa é a maneira mais segura, do ponto de vista da supremacia nacional e da sustentação da economia, de agir em uma pandemia como esta.
Por fim, podemos pensar, ainda, sobre a ótica da posição do país frente aos demais parceiros políticos e econômicos. Hoje é muito provável que uma ação irresponsável do Brasil, enquanto representado na figura do governo federal, seja respondida com sanções políticas e econômicas do restante do mundo. Contrariar as autoridades mundiais no que se refere à segurança da saúde mundial, não é uma estratégia conveniente em um país que depende tanto da sua balança comercial para sobreviver!