Contribuição ao estudo da historiografia e da literatura no extremo sul da Bahia

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POR ROBERTO MARTINS*

Roberto Martins – jornalista e escritor

No dia 9 de outubro de 2019, proferi uma palestra na Academia de Letras de Porto Seguro, onde abordei tema do papel da cidade na literatura nacional. Defendi a tese de que a ALPS deveria ser um instrumento para a conquista do papel da cidade, o que lhe confere sua história e sua atual diversidade e cosmopolitismo. Afinal Porto Seguro hoje é um importante polo turístico, em grande parte fruto de uma das mais prósperas – e a menos estudada – das capitanias hereditárias originais.

Quero agora abordar o tema de uma forma mais ampla, abrangendo todo o extremo sul da Bahia – ou seja, o que restou da antiga capitania, região que somente a partir de meados do século XX foi reincorporada – ou “redescoberta” – ao Brasil. Não podemos deixar de tratar concomitantemente da literatura e da história. Aliás, não se pode compreender a história de uma comunidade ou de um período, sem conhecer sua literatura. É na literatura que se encontra a verdadeira “alma” da história dos povos e das comunidades nas mais diversas épocas. Assim, tratarei do que tem sido produzido no extremo sul da Bahia tanto na história como na literatura, pelo menos do pouco que foi feito e da parte que conheço nestes campos irmãos do conhecimento.

  • A história
Procurador Graciliano Bonfim discursa, representando Legislativo – Foto: Divulgação

A primeira obra de história produzida em Porto Seguro foi a primeira obra da história do Brasil: a Carta de Pero Vaz de Caminha. Depois dela, pouco se falou especificamente de Porto Seguro. Em meu Porto Seguro: história de uma esquecida capitania, trato do assunto no item A história e suas fontes, onde resumo o que me parece pertinente: divido a história da antiga capitania em três fases:

A fase inicial, do início do período colonial, se caracteriza pela atuação dos cronistas seiscentistas e setecentistas, que retrataram a realidade da capitania em suas atividades políticas, econômicas, religiosas e em sua comunicação. Ai encontramos desde Gabriel Soares Pereira, Gândavo, Fernão Cardin, aos livros e Cartas Jesuíticas com desataque para Azpilcueta Navarro, O Livro que dá razão ao Estado do Brasil; os Diálogos das Grandezas do Brasil; e outros, além dos historiadores que posteriormente mais estudaram esse período, como Capistrano de Abreu, Adolfo Varnhagen, J. F. de Almeida Prado. Nenhuma obra específica sobre a região, mas informações variadas em fontes diversas; um ou outro artigo, pequenos ensaios, deste ou daquele, aqui ou acolá.

            Um segundo momento é representado pela longa fase que chamo do Esquecimento, quando as referências à capitania de Porto Seguro vão se escasseando, achando-se quase que somente fontes primárias em abundância a partir da Era Pombal com a criação da Comarca e o estabelecimento do sistema da Ouvidoria, especialmente através dos relatórios dos ouvidores, desde o primeiro, Thomé Couceiro de Abreu. Algumas referências no século XVIII com Antonil e Rocha Pita, e já no século XIX com Aires de Casal. Mas sempre referências, embora o último reproduza pela primeira vez a dita carta de Caminha.

            Finalmente, já adiantado o período republicano, vamos encontrar uma fase diversa e refletindo novo significado. Porto Seguro, em si, a cidade, continua muito esquecida. A história vai ser escrita, bem mais, nos dois polos que mais se desenvolveram no território da antiga capitania: especialmente em Belmonte, ao norte e, em menor escala em Caravelas e Alcobaça, ao sul. Somente em 1987 é que Porto Seguro ganha sua primeira história: Porto Seguro: história e estórias de Vera Telles, obra indispensável para quem queira estudar a antiga capitania. Note-se deste período, entretanto, a presença de estrangeiros e naturalistas. Thomas Lindley, navegante inglês envolvido com o contrabando, aqui aportou em 1802, tendo sido preso e processado, deixando importante memória em Narrativa de uma viagem ao Brasil (a primeira edição é de 1805) e o príncipe austríaco Maximiliano Wied Neuwied, que produziu o memorável livro Viagem ao Brasil, ricamente ilustrado e documentado, foram os principais.

            Belmonte é palco no século XIX e primeiros anos do século XX, de um movimento cultural digno de nota. Não resta dúvida que o Rio Jequitinhonha é um dos motes de sua cultura, mas a pujança do cultivo do cacau, é outro. A cidade se movimenta por vários meios culturais, até com a poesia de Sosígenes Costa, e na música, com a disputa de suas filarmônicas.

            Neste momento devemos notar a presença dos naturalistas, botânicos e viajantes estrangeiros, estudiosos e curiosos com o Brasil de portos recém abertos aos “povos amigos”, que percorrem o rio e a região, como John Mawe (1809), Maximiliano Wied Neuwied (1815-17), Auguste de Saint-Hilaire (1817), Johann Emanuel Pohl (1819), Robert Lallemmant (1858-59). Todos eles expressaram em suas letras ou pinturas a realidade que encontraram. Depois vieram brasileiros, como o capitão-engenheiro Innocencio Velloso Pederneiras (1850-51), realizou estudos sobre a navegabilidade do rio para o governo da Bahia; Leopoldo Miranda (1896-1905) político e memorialista e J. Duarte (1921-24), fazendeiro, comerciante e também escritor e cronista, deixaram seus estudos e impressões de viagem pelo Jequitinhonha, em especial de sua parte mineira, destacando as dificuldades crescentes da navegação dada à diminuição do volume das águas e da pesca, com o fim do surubim, dada à sua captura na subida para a desova, prática já  desaconselhada desde Saint-Hilaire.

Já Eduardo Santos Maia (cuja viagem no Jequitinhonha se deu em 1917), juntamente com Affonso M. Monteiro, foram os dois mais importantes historiadores de Belmonte. O primeiro, membro dos Institutos Histórico e Geográfico da Bahia e de Minas Gerais, é autor de vários livros, entre os quais as Impressões de viagem…, do qual saíram duas versões: Impressões de viagem de Belmonte à villa Jequitinhonha, datado desta última vila em 31 de março de 1917, e impressa “de afogadilho” na Bahia no mesmo ano; e Impressões de viagem de Belmonte à Arassuaí, com algumas diferenças e acréscimos, como o autor diz em nota, ao fim, impresso em 1936. Entre outros livros, nos diz respeito especialmente O banditismo na Bahia (contos da minha terra), ambos tratam de nossa história regional, especialmente de Belmonte, do rio Jequitinhonha, do fenómeno do banditismo e do cangaço (os clavinoteiros).

Ao seu lado, Affonso M. Monteiro, do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia, publicou em 1918 Belmonte e sua história, com a apresentação do prof. Bernardino José de Souza, secretário-perpétuo do Instituto Geográfico e Histórico da Bahia. O livro é fruto de uma rica pesquisa de fontes primárias, tudo informando sobre a história da cidade e da região.

A poesia também palmeia a história de Belmonte. Afinal é a cidade de Sosígenes Costa, um dos grandes poetas baianos e brasileiros, nascido naquela cidade em 14 de novembro de 1901, falecido em 1968. Sua Obra Poética, único livro publicado em vida do autor, retrata em cada verso a realidade vivida em Belmonte e região. Seus cantos homenageiam o Jequitinhonha, o cacau, a flora e as qualidades de sua gente. Bons poetas podem nascer em qualquer canto, mas apenas bons cenários inspiram sua verve. Já a música, era disputada entre a Sociedade Filarmônica XV de Setembro, fundada em 15 de setembro de 1895, mais conhecida como Quinze, e a Filarmônica Lira Popular de Belmonte, a Lira, fundada em 7 de dezembro de 1914. Elas tiveram sua história contada no livro Entre a memória e a história, de Ariadne da Silva Rocha e Maria Adalcy Brazão Santana.

Ao sul, Caravelas e Alcobaça tiveram também suas histórias retratadas em livros que demandaram extensas pesquisas de fontes primária e secundária.  Embora publicado somente em 2006, pela Fundação Professor Benedito Ralile, Relatos Históricos de Caravelas (Desde o Século XVI), foi uma monografia do historiador que deu nome à fundação, escrita originalmente em 1949, para representação do município no Primeiro Congresso de História da Bahia. O autor recupera a história desde a quarta viagem de Américo Vespúcio, em 1503, da qual decorreu a famosa Carta a Soderini (banqueiro italiano financiador da viagem), onde há referência à fortaleza que Vespúcio construiu por cá deixando 24 homens, e à entrada que fez por 40 léguas sertão adentro. Isto se deu a 18º a sul da linha equinocial, o que leva muitos a crerem que se tratou de Caravelas, que está precisamente a 17º43´55´´ de Latitude Sul. Outros historiadores reivindicam o mérito para Cabo Frio, Rio de Janeiro.

            A história do professor Ralile e seus coautores da Fundação percorre a cidade e a região desde aqueles primeiros tempos coloniais até o período republicano recente, e deixa como fruto a Fundação, centro de estudos da história regional. Não temos conhecimento se mesma continua em funcionamento.

            Alcobaça, cidade próxima e coirmã de Caravelas, também tem o seu historiador na pessoa do descendente libanês Fábio Said. A sua História de Alcobaça-Bahia (1772 – 1958), publicada em 2010, vai desde a fundação da vila pelo ouvidor da comarca de Porto Seguro, Xavier Monteiro Machado, até o fim do que ele chama de Tempo dos Coronéis (1958). Antes da história Said já havia escrito vários outros livros, retratando os “clãs” formadores das elites dominantes na região: O clã Almeida de Caravelas e Alcobaça; O clã Medeiros de Alcobaça-Bahia; e O clã Muniz de Caravelas e Alcobaça.

            Antes de entrar na produção historiográfica de Porto Seguro, é preciso uma referência ao livro que representa um marco em sua história moderna: Sob os céus de Porto Seguro, de Edmar Morel, o principal repórter daquele monumental evento, a Revoada a Porto Seguro de 1939, publicado pela Diretoria de Cultura e Divulgação do Estado da Bahia naquele ano. O livro contém artigos, reportagens e entrevistas dos vários participantes do evento histórico. Livro, aliás, que precisa de uma reedição.

            Somente agora retornamos a Porto Seguro, antes porém, apresentando Cabrália, para seguir uma conveniente cronologia neste tipo de referência. Na cidade em cuja baía Cabral desembarcou em 1500, encontramos três obras, duas das quais pioneiras: Sidrach Carvalho, que foi prefeito, com a sua Monografia Histórico-Corográfica de Santa Cruz Cabrália escrita em 1942. Mais tarde, já em 2004, seu descendente, Sidrach de Carvalho Neto, publica Santa Cruz Cabrália, cinco séculos de história. E José da Costa Dória, outro ex-prefeito, nos oferece a Real História do Descobrimento do Brasil 1500 – 1972, contendo uma interessante pesquisa histórica.

            Chegamos propriamente a Porto Seguro com Vera Telles e o seu original Porto Seguro, história e estórias (1987), quando já adiantada se encontrava a Redescoberta da esquecida capitania. O livro é fruto de ampla pesquisa historiográfica de quem viveu a realidade de Porto Seguro e constatou a inexistência de obras escritas. Ao mesmo tempo, no que diz respeito à literatura e às artes, o que restou da antiga capitania começa a viver uma nova fase que se inicia com o seu marido, o pintor Sergio Telles, que nos deixa vários livros de arte onde retrata a cidade, como Porto Seguro recriado por Sérgio Teles, obra formalmente de Jorge Amado que escreve um dos textos para apresentar o pintor, e Porto Seguro, edição triglota de famosas galerias de arte. Registre-se ainda no campo da história, a pesquisa de Raimundo Costa Sampaio, antigo funcionário público municipal, com De Intendentes e Conselheiros a Prefeitos e Vereadores 1900 a 2006, interessante fonte de pesquisa.

            A partir do senhor Raimundo, começo a falar dos novos historiadores locais, já de fins do século XX e início do XXI. O primeiro nome, por ser além de historiador, um cronista (ultimamente também romancista, do que falarei mais adiante): Romeu Fontana. Sua vida na comunidade desde a década de 1940 quando aqui chegou e se formou culturalmente, é produto do que a terra tem de mais expressivo: a boemia, o lazer, a cidade do prazer, tendo a cultura como linha de frente. Romeu publicou vários livros, destacando-se: Porto Seguro: de uma aldeia de pescadores a uma aldeia global (1988); Porto Seguro: aqui começou o Brasil – o DNA do Descobrimento (2000); Porto Seguro: Memória fotográfica (2004). Além disso, suas crônicas de memórias da cidade publicadas no Facebook merecem, uma edição impressa pela riqueza de informação da vida social ao longo do século XX. Depois veio Decio Gurriti Pessôa, com seu livro Porto Seguro: Achamento e história através da fotografia (2013), que além de livro de arte conta sua visão da história de forma original. Finalmente o meu Porto Seguro: história de uma esquecida capitania (2018), que se beneficiou, naturalmente de tudo que o precedeu, procurando dar uma visão geral, porém não acadêmica da capitania menos estudada do Brasil.

            Capítulo à parte, história e arte, diz respeito aos ensaios fotográficos sobre esta bela região. Os livros já citados do Décio e um dos de Romeu, são de fotografias, mas eles foram precedidos de vários outros, que começam exatamente com a presença já citada do pintor Sergio Telles, que reproduz seus quadros em belos livros de arte. Outros pintores famosos também passam pela cidade do Descobrimento para retratar suas belezas e sua história, como Vitor Meireles, em 1900 e Jorge Maltiera que reproduz algumas de suas pinturas sobre a região em Yaiá Bahia meu bem (1968). Outros também publicam suas fotografias comentadas, como Léa Maria Aarão Reis (Porto Seguro: Arraial D´Ajuda, Trancoso – sul da Bahia – 1986); Paula Saldanha (Descobrimento do Brasil – 1999). Nesta mesma linha de livros de arte há que ser colocado o Museu Aberto do Descobrimento – O Brasil Renasce onde Nasce, onde foi exposto o projeto para o ano 2000 que não foi adiante. Mas a beleza da obra e dos projetos não podem ser desconhecidos. Obra coletiva coordenada por Roberto Costa Pinho

            Alcides Lacerda, figura curiosa, mineiro que veio ver e se encantou com a história, o mar e o novo desenvolvimento urbano, prefeito de Santa Cruz Cabrália por duas vezes, embora preferisse morar em Eunápolis, escreveu, segundo ele, apenas 80 livros, pelo menos 18 deles publicados. Uma mistura de história, memória e ficção. Casos da vida. Possuo quase uma dezena desses livros. Alguns originais se perderam, foram confiscados pelo governo militar; outros, ele diz que negociou com o amigo Che Guevara que os teria publicado no exterior sob pseudônimo. Fisicamente, a personagem também era curiosa: cultivava uma longa barba, e dizia… somente a tirarei no dia em que Mandela for libertado. Entre os títulos de seus livros, trata de temas históricos da região como o Pau-brasil, a Coroa Vermelha, a Estrada de Ferro de Minas Gerais, os Sertões de Belmonte, o Rio Buranhém, a História de Eunápolis, até os mais variados assuntos que a mente fértil registrou. Sua vida – e sua obra – são tema que merece uma bela biografia pelo tanto de peculiar e original que apresenta.

            Dois outros comentários finais se fazem necessários. Primeiro no que diz respeito à parte sul deste nosso extremo sul da Bahia. Digamos, da região hoje polarizada por Teixeira de Freitas. Pouco conheço da história daquela parte de nossa região, afora as iniciativas do saudoso padre José Koopmans, nos estudos sobre o eucalipto. Com ele e outros, compartilhei o opúsculo Eucalipto, uma contradição (1992). Depois, de sua lavra, vieram Além do eucalipto: o papel do extremo sul (1999) e uma segunda edição revisada e atualizada em 2005. Nesta parte mais sul de nossa região, deve haver muita coisa que não conheço. Quem sabe esta contribuição ajude a juntar sempre mais informações sobre nossa história?

            O outro aspecto diz respeito a memórias e histórias das cidades, povoados, comunidades. Tanto as que já foram publicadas, como as ainda inéditas ou em projeto. Tudo merece referência. Entre os publicados, o interessantíssimo livrinho Itagimirim, minha vida é aqui, do ex-prefeito Othoniel Ferreira (2017). Sobre Eunápolis, tenho conhecimento da existência de uma memória do pioneiro Moisés Reis, ainda inédita, obre imprescindível para a história da região. Do mesmo modo registro a produção histórico/poética de seu filho, Antônio Reis, entre outros com o poema Eunápolis – 25 anos, publicado pela prefeitura em 2013. E sei que existem outros projetos de história de Eunápolis. Já sobre Guaratinga sei que há uma história escrita, mas ainda não cheguei a conhecê-la. Lá, como em tantas outras cidades e povoados, existem pessoa capazes de fazê-lo; é mãos à obra. Isto fez a professora Vilma Ribeiro: Itapebí, cujos originais me foram fornecidos pela autora, mas ainda carece publicação. Da mesma forma, Memórias de Caraíva, de Valdemy Sisnande Vieira. Livrinho que conta uma história original e abrangente, incluindo belas ilustrações do autor. Quem sabe terá uma breve edição?

  • A academia também se apresenta

            Agora posso a registrar o aparecimento da academia tendo o extremo sul da Bahia como objeto da história. Ainda aqui sigo ainda os passos de Porto Seguro: história de uma esquecida capitania. No processo em que a região começa a ser redescoberta para o Brasil, vamos assistir também a academia a reencontrando. Monografias, teses, estudos e pesquisas são desenvolvidos sobre diversos aspectos da história, da economia e da urbanização.

Pioneiro foi o sociólogo Gey Espinheira, com quem tive o prazer de conviver na juventude nos tempos de Jequié. Em 1974 ele coordenou a elaboração do primeiro Plano de Desenvolvimento Urbano Porto Seguro/Cabrália elaborado pelo Instituto de Urbanismo e Administração Municipal (IURAM) da antiga Secretaria de Planejamento. Este estudioso mais tarde continua suas pesquisas e trabalhos através da Fundação de Pesquisas CPE (atual Superintendência de Estudos e Informações – SEI), inclusive com a elaboração do Plano Diretor Urbano de Eunápolis. Destes trabalhos iniciais resultam outros estudos, entre eles a tese de pós-graduação de Ivana Tavares Muricy, pela Faculdade de Filosofia e Ciências Sociais da UFBA tendo Gey Espinheira como orientador: O Éden terrestre: a construção social de Porto Seguro como cidade turística. Era um anúncio do que estava por vir.

É necessário ressaltar que a consciência da falta do registro da história regional, vai gradativamente chegando à academia. Maria Hilda Baqueiro Paraíso, historiadora da UFBA, faz o registro da “absoluta falta de interesse dos nossos historiadores” pela região, no ensaio De Rio Grande de Belmonte a Jequitinhonha, publicado em Sertões da Bahia: Formação Social, Desenvolvimento Econômico, Evolução Política e Diversidade Cultural, organizado por Erivaldo Fagundes Neves, de 2011. Ainda outros trabalhos mais antigos, da UFBA e de outras universidades, devem ser registrados, como o interessante opúsculo Os núcleos urbanos planejados do século XVIII: Porto Seguro e São Paulo, da pesquisadora Maria Helena Flexor.

De outro lado houve iniciativas da FESPI (Federação das Escolas Superiores de Ilhéus e Itabuna, das quais se originou a UESC, em 1990). Desde início da década de 80 foi gestado o Projeto Cultural Porto Seguro, descrito no livro sob a responsabilidade do professor Soane Nazaré, A Universidade de Santa Cruz em Porto Seguro (1984). O objetivo maior do projeto era transformar Porto Seguro em um verdadeiro centro de extensão universitária, assumindo também as feições de cidade educativa. Do projeto restou o Centro de Documentação e Memória Regional implantado num casarão da cidade histórica, fechado anos mais tarde e o acervo retornou à UESC, em Ilhéus. 

Quando das comemorações da chegada dos portugueses ao Brasil no ano 2000, diversas iniciativas foram tomadas pela UESC, com a realização de seminários, em Ilhéus e em Porto Seguro, com publicações, entre outras, dos Anais do seminário: Leituras da Carta de Pero Vaz de Caminha.

            Paradoxalmente, é bom que se frise, com o desenvolvimento do ensino superior, ao contrário da expansão da UESC como se esperava, vieram os campi da UNEB. Primeiro para Teixeira de Freitas, depois para Eunápolis, onde foi implantado um curso de História, de grande importância para a região, permitindo que se localizassem pesquisadores e professores interessados em aprofundar o estudo da história regional. Entre eles, Francisco Eduardo Torres Cancela, que fez a tese De projeto a processo colonial: índios, colonos e autoridades régias na colonização reformista da antiga capitania de Porto Seguro. (1763-1808), era preciso, como diz ele, …romper com o ensurdecedor silêncio sobre a história da antiga capitania de Porto Seguro. Note-se que ele é mais um que registra esta falta na historiografia baiana, e acentua o papel da academia para novos estudos, e alinha três razões para a carência historiográfica: estar a região fora do mercado; isolada até 1970; e a falta de fontes.

O mesmo professor foi autor de outra tese, esta sobre o primeiro donatário, Pero do Campo Tourinho: De volta ao tema da primeira prisão da Inquisição no Brasil: balanço historiográfico e novos olhares sobre a experiência de Pero do Campo Tourinho (2010). A vida do primeiro donatário já havia sido objeto da tese de Rossana G. Britto, publicada no ano 2000: A Saga de Pero do Campo Tourinho: o primeiro processo da inquisição no Brasil.

O interesse pela região que foi despertado nas universidades baianas tem levado ao surgimento de outros estudos e publicações. Tharles Souza Silva fez sua Dissertação de Mestrado em História, Campus V da UNEB em 2014, sobre o tema: O “escandaloso contrabando praticado em Porto Seguro”: comércio ilegal, denúncia e ação régia no fim do período colonial.  Já o professor Sebastião Cerqueira Neto (UFBA), publicou Do isolamento regional à globalização: contradições sobre o desenvolvimento do Extremo Sul da Bahia, também em 2014. Pouco depois, em 2016, Cancela, juntamente com Tharles e agora também Uiá Freire Dias dos Santos, nos oferecem História da capitania de Porto Seguro: novos estudos sobre a Bahia colonial, sec. XVI-XIX.

Ao lado da UESC, a região veio a ser contemplada com dois campis da nova Universidade Federal do Sul da Bahia – UFSB: Sosígenes Costa (justa homenagem ao bardo belmontense) em Porto Seguro; e Paulo Freire, em Teixeira de Freitas. Novo conjunto de pesquisadores de nossa história veio se juntar. Uma primeira obra que produziram, sob a organização de Tharles S. Silva com vários colaboradores, inclusive membros de fora da comunidade acadêmica, foi Asas para Porto Seguro: história e memórias do campo de aviação do Arraial D´Ajuda, já em 2019. Obra pioneira de resgate da memória de uma comunidade antiga, mas mal conhecida, embora tenha havido no passado o livreto avulso Historinha do Arraial de Nossa Senhora da Ajuda, (sd, creio ter sido publicado em meados da década de 1970), de Pinheiro Pacu. 

Enfim, a presença da academia, juntando-se com os historiadores e memorialistas regionais, vão criando um justo movimento de resgate da história da outrora esquecida capitania de Porto Seguro. Certamente nos bancos acadêmicos muitas outras teses devem estar sendo preparadas. Outras já prontas ainda permanecem inéditas. Sei de uma sobre a Moça da Cova, mas não se trata do romance do Romeu, do qual falarei adiante.

Outro aspecto importante, diz respeito à população nativa encontrada nas terras achadas por Cabral. Os índios são depositários de toda uma história, desde quando os Tupi chamavam esta de Pindorama, a Terra das Palmeiras. Com a contribuição particular de antropólogos e outros estudiosos presentes quase sempre na academia e ultimamente em ONGs, vamos encontrar importantes ensaios, artigos, monografias e teses sobre o tema. Vale registrar, entre outros: Omar Rocha Jr. (antigo funcionário da Funai); Maria Hilda Baqueiro Paraiso (historiadora da UFBA); Sheila Brasileiro (Salvador); Celene Fonseca (antropóloga e ambientalista); José Augusto Laranjeiras Sampaio (Salvador) e mais recentemente é importante a atuação do professor Francisco Eduardo Torres Cancela e colegas, especialmente na abordagem sobre a era pombalina no tratamento da questão indígena.

Finalmente cabe registrar que a presença da academia, ao lado do cosmopolitismo de Porto Seguro e região, fez a cidade enveredar até pelo caminho dos ensaios filosóficos. Por ai seguiu Márcio José Silveira Lima, que já é editor dos Cadernos de Nietzsche, a publicar As artes de Proteu. Mas não só a academia filosofou. Onde melhor se pode classificar o curioso livro de Alda Andréia Therkovsky Deus é ateu. Uma análise imparcial sobre as diversas formas como acreditamos em Deus? Em linha similar, digamos, na filosofia do direito, encontramos Igor Saulo Ferreira Rocha Varjão Assunção, em Eunápolis, com o seu Organização política e administrativa em países do sistema romano-germânico e da common law.

  • Literatura     

A literatura, ou melhor dizendo, a ficção e a poesia, ainda são muito pobres em nossa região, embora já se possa catalogar um bom número de publicações que arvorem esta classificação. Mas não é o caso, aqui. Vamos ficar no que se refere a textos de prosa e verso que possuem o extremo sul da Bahia como tema, ou mesmo que produzidos por pessoas aqui hoje residentes. Na verdade, o desafio que se nos apresenta é encontrar o mote da literatura de Porto Seguro. Ao afirmar isso não quero dizer “da cidade de”, mas “da região que” outrora foi a capitania de Porto Seguro, abrangendo hoje o extremo sul da Bahia.

A literatura sobre a região do Descobrimento como é assim conhecida, incompreensivelmente inexiste. Na longa pesquisa que fiz encontrei apenas um livro, cuja última edição se deu em Lisboa há mais de um século, em 1907: Pindorama: romance brasileiro da época do descobrimento, de Xavier Marques. Trata da região, assim como da Bahia, cenários em que se alternam o romance. É sua importância, inclusive, por ter sido provavelmente a fonte de algumas lendas, como a da índia Inaiá ou Indaiá. Só. Ao longo dos séculos nenhuma outra ficção, em prosa ou verso que pudesse vir a se constituir numa literatura “do Descobrimento”, com o seu cenário histórico ou mesmo dos seus fenómenos econômico, social e cultural. Não se pode negar que foi a abertura da BR-101 que reincorporou esta faixa do território à nação brasileira, embora deva relembrar o papel da Revoada a Porto Seguro de 1939. Com a Redescoberta, começam a surgir livros, romances, poemas, escritos de vários tipos que ainda não se pode caracterizar como uma literatura da região, mas onde se encontra sementes para que ela venha a brotar. Qualquer tentativa de alinhar tudo o que foi produzido é infrutífera, nem é esta a pretensão. Mas as linhas que começam a despontar é possível, como ao fim analisaremos. Antes um registro: o despontar de Porto Seguro no cenário nacional, desperta interesses vários e projetos literários diversos que, talvez à espera de uma oportunidade, vêm à luz. Entre eles cito Os fugitivos da esquadra de Cabral, de Angelo Machado (2012), uma pequena ficção sobre os dois grumetes que abandonam a esquadra de Cabral ficando no Brasil em 1500; e Porto Seguro outra história, onde o autor Hugo Almeida, conta, sob a forma de ficção, a história de seu avô o engenheiro Prudente Almeida, dono da Cila Construtora, que veio construir o cais da cidade em 1945. Ambos, pequenas ficções sobre fatos históricos importantes.

Em 1994 um antigo político da cidade, Silvio Mário Simas Menezes, traz a público Mistério em Porto Seguro, romance policial. Em Eunápolis temos por esse tempo, O segredo a razão e a glória, de M. Carneiro, ficção em defesa da natureza. Deve-se notar que, com o advento do turismo, muita gente vem, se encanta e se expressa seja pela pintura, pela fotografia, pela poesia, pela ficção, como Porto Seguro, pedacinho do céu onde tudo começou…, de Maria Sueli Moura Mariano. Fenómeno a parte diz respeito aos guias turísticos: um misto de informações históricas, utilidade pública e marketing comercial. Entre estes vale citar Descubra Porto Seguro “Terra Mater do Brasil” em sucessivas edições desde 1994 de Fausto Rodrigues de Almeida; Agenda 2000: Informativa e Turística de Porto Seguro (2000), de Edmar Campelo; Guia Turístico da Costa do Descobrimento (2005) e outros mais recentes.

Neste período de ascensão do turismo a produção poética também foi prolífera. Em Porto Seguro há que registrar Gilvan Florêncio (entre outros, RenasSentir, 1985); Mario Silva Paternostro Menezes (Palavras do Poeta, 2009), e o cordelista Luís Emanuel Cavalcanti (Cordelizando Porto Seguro de Tourinho a João da Sunga, 2009). De Itabela, nos veio em 1993 Epaminondas Lima de Souza (A seiva líquida do âmbar azulado, às margens de um oceano jocoso); de Eunápolis, entre outros, Tarcísio Formiga (Passos da minha caminhada – Poesias, 2006); e de Belmonte, Herculano Assis (Rua dos Avessos, 2011). Misto, foi o livrinho do professor Raimundo: Eunápolis em Prosa & Versos, Guia Cultural de 1999.

Ainda do período anterior vale a pena registrar alguns jornalistas e outros práticos da escrita, filhos da região ou que para ela vieram atraídos pelo seu crescimento, que produziram livros diversos, em geral de ficção ou poesia, ou mesmo de casos e memórias. Em Eunápolis, Jaques Domiciano, M. M. Souza e outros.

Nos anos mais recentes têm vindo à luz alguns novos romances que, sem dúvidas, começam a caracterizar uma nova fase na literatura do extremo sul da Bahia, de autoria de filhos da região ou de pessoas que aqui se fixaram. Vamos a eles.

De minha parte publiquei ainda em 1997 a novela O usurário, uma primeira incursão pela ficção, passada numa cidade imaginária aqui situada. Mais recentemente O prefeito – romance de costumes políticos brasileiros (2018), tentativa de síntese de conhecidas experiências políticas de nossos prefeitos. Em Porto Seguro veio se ancorar a capixaba Alda Andréia Therkovsky que tem sido farta em publicações, mas o que nos diz respeito mais diretamente é A conquista do Éden, de 2000. Romance de inspiração histórica, calcado em algumas personagens cujas ações formaram até juma espécie de mito, como o português Duarte Pacheco Pereira (um dos negociadores do Tratado de Tordesilhas), que por estas terras havia passado. Já o padre Antonio Nobre, filho de Porto Seguro, tem publicado livros diversos, sendo de destacar-se Narrativas e Lendas de Porto Seguro: Estórias que eu Ouvi Contar, de 2012. Como o título indica, um pouco de memória e ficção necessárias ao conhecimento da sociedade local. Por fim o nossos historiador Romeu Fontana que resolveu justamente enveredar pelo caminho da ficção, após trilhar o da história e das crônicas no Facebook, onde conta os casos com sua rica memória e profícua irreverência. Assegura que já produziu muitos romances, mas agora trouxe os primeiros três a lume em fins de 2019 (outros mais logo virão), numa edição digital, ao que se seguirá edição impressa: Abbia a Alemoa: a espiã de Hitler, The Brasilian Boys: vivendo na Amér…, Josephina, a moça da Cova da Moça. Não posso me referir ao mérito, pois ainda não os li. Mas pelos títulos revela curiosidades da história contadas com a peculiar irreverência e a ficção do autor. É o que conheço. Por certo muitos outros devem estar sendo gestados por ai.

Entretanto, quero acrescentar três livros e dois autores que li, e que são de particular importância para o que entendo como contribuição que está se gestando de uma literatura do extremo sul da Bahia: Elias Botelho (de Itamarajú) e João Santos Gomes (de Medeiros Neto), com Trilha amarga, romance de 2018, e a novela O homem que desistiu de ser rico, de 2019, do primeiro, que ainda tem produzido vários contos ainda não publicados; e Jacarandá, romance do segundo. Botelho tem a região como cenário, abordando temas tão presentes como a questão agrária e o extrativismo madeireiro. João Santos Gomes, como próprio nome do livro indica, aborda o extrativismo madeireiro e, especialmente a destruição da exuberante Mata Atlântica na colonização de Água Fria (atual Medeiros Neto) e seu entorno, tido como berço do melhor jacarandá-da-baía.

A poesia tem tido novos versejadores. Destaca-se o paulista de Guaraçaí que também veio ver e se encantou com Porto Seguro e fincou raízes para sua inspiração: Paulo Sérgio Rosseto. Profícuo na produção, tem nos oferecido muitos livros. Seja de Aldravias (Doces doses de poesia) e Poemas (Crônicas abertas), ambos de 2018. E Poemas que você fez para mim e Versos de vidro e areia, de 2019.

Quase nada mais sei do que tem sido produzido em Teixeira de Freitas e demais cidades da parte mais a sul, como já frisei no que diz respeito à história. Acredito que muita coisa ali já se encontre impressa em termos literários. Quem sabe vamos reunir o conhecimento da produção de toda a região?

  • As instituições

O escritor, e mesmo o historiador, não são formados em uma academia. Qualquer tentativa de enquadrá-los numa regulamentação, é arbitrária. As regulamentações se fazem necessárias para assegurar direitos e não para estabelecer privilégios. Mas que a presença de uma Universidade, com “U” maiúsculo, ajuda, ajuda e muito! A educação e, em particular a universidade, como bem ensinaram os grandes mestres a exemplo de Anísio Teixeira e Paulo Freire, são instituições para unir o estudo da comunidade ao universal. Assim, sempre que são capazes de se inserir na realidade local, encontrar seus mais desconhecidos saberes e sábios, e restaurar sua memória, dão uma enorme contribuição para a cultura, a formação das comunidades e a formulação de seus projetos de desenvolvimento. Hoje podemos contar com duas universidades com seus campos da Porto Seguro, Eunápolis e Teixeira de Freitas, além de escolas superiores em outras cidades, como importantes espaços para o desenvolvimento da história e da literatura em nossa comunidade.

Antes delas tivemos a presença de algumas ONGs ligadas a movimentos sociais, reivindicações culturais e movimentos ambientalistas, que têm exercido importante papel para a cultura em geral, como o Movimento de Defesa de Porro Seguro, o CEPEDES (Eunápolis), o Terra Viva (Itamarajú), a Sociedade de Defesa dos Direitos Humanos (Teixeira de Freitas) e várias outras. Depois vieram os centros ou pontos de cultura. Porto Seguro conta com um Centro de Cultura do Estado que cumpre um amplo papel; Eunápolis tem o Viola de Bolso, refúgio da resistência de todas as manifestações culturais da cidade; o Espaço Cultural da Paz, fundado por Zé da Baiana, em Teixeira de Freitas para onde migrou de Porto Seguro. Muitas outras ONGs e pontos de cultura deve haver nas demais cidades, devendo destacar, entre elas, Caravelas, Cabrália, Belmonte. 

Então começaram a se formar as academias de letras. Primeiro foi a de Teixeira de Freitas que, pelo que sei, continua ativa. Depois foi a vez de Eunápolis, como o apêndice duma mal chamada Academia de Letras do Brasil – ALB, uma apropriação indébita da ABL (a Academia Brasileira de Letras, fundada pelo velho Machado de Assis). Foi fundada numa noite, em concorrida solenidade no salão da Câmara de Vereadores. Fui agraciado com a imortalidade. Mas durou somente aquela noite. Minha imortalidade foi precoce, lamento. Depois foi a vez de Porto Seguro. Esta se firmou, tem produzido noites de autógrafo, concursos literários, debates, angariado novos imortais. Que viva para sempre, ad aeternum, bem como seus membros.

  • Conclusões

Do exposto tiro ao menos duas conclusões. A primeira é de que a antiga capitania de Porto Seguro começa a deixar de ser esquecida.  Não só pela academia, como por historiadores diversos e memorialistas que se apresentam, informando e discutindo o seu papel ao longo de 500 anos de existência. A historiografia vai ocupando o espaço que lhe cabe, embora motivos, sejam eles mais particulares ou mais gerais para novas teses, ensaios e livros diversos sobre a região, é imenso. Longe ainda está o tempo em que possamos dizer que toda a história foi contada. Muito há que ser escrito e publicado sobre fenômenos ainda obscuros, municípios e comunidades cujo processo de formação os novos desconhecem, e a própria discussão sobre os aspectos mais gerais de formação da região.

A outra diz respeito à literatura. Embora em seu sentido mais amplo dela faça parte a história, mas a ficção em prosa e verso em particular, ainda está mais atrasada. Mas podemos notar a existência de umas primeiras tentativas e de produzir uma literatura regional que que venha a expressar nas suas particularidades o que temos de universal. Ao dizer isso penso em duas ou três linhas, todas elas motivadas pela sua riqueza histórica, a complexa formação social e a própria atividade (ou inatividade) econômica: o que se refere ao Descobrimento em geral, à chegada portuguesa e aos povos primitivos; o extrativismo madeireiro desde o pau-brasil até hoje, com o eucalipto, atividade econômica preponderante na região; e a própria romantização de inúmeros acontecimentos e fenômenos históricos. Quem sabe de tudo isso venha a resultar a literatura do Descobrimento ou a literatura da madeira?

  • O que fazer

Entendo que tudo na vida precisa ter consequências: estudamos para quê? Aprender, não é resposta suficiente. Mas para agir corretamente, ensinar, transmitir aquele bem imaterial que pode ser útil à sociedade.  Aprender é uma tarefa de sempre, que ultrapassa os bancos escolares. E ensinar, transmitir, um dever elementar. Senão, vamos entulhar os túmulos de saberes. Quero agora alinhar algumas sugestões sobre o que acredito, podemos e devemos fazer.

A primeira questão diz respeito ao livro. Somos escritores de poemas, livros de história, crônicas, romances. Mas o livro somente se realiza quando é lido. Assim, a primeira missão é incentivar a leitura. Não basta desejar “livros à mancheia” como disse o poeta. É preciso formar leitores. E, “é de pequenino que se torce o pepino”; assim, devemos incutir em nossas crianças o amor pelo livro. Portanto, a nossa primeira preocupação deve ser com os professores do primeiro grau. Quem sabe pensar num programa para isso? E porque não, a cada fim de ano fazer uma campanha Doe um livro neste Natal? Mas a preocupação deve estar voltada, sempre, para a divulgação da produção cultural regional.

E nada melhor para incentivo ao livro do que o apoio às bibliotecas públicas ou comunitárias. Divulgando sua existência; promovendo nelas o lançamento de livros; garantindo que as mesmas tenham o acervo da produção regional; fazendo palestras, debates e promoções diversas.

Trocar ideias.  Hoje está mais fácil fazê-lo. Um site, sob a responsabilidade de uma das instituições que alcance os interessados em história e literatura, onde se possa transmitir informações sobre as realizações de cada instituição ou escritor, é sempre muito útil para o desenvolvimento do trabalho de todos. Uma seção de lançamentos com resenhas dos novos livros que nos dizem respeito. Travar alguns debates sobre temas gerais, tais como, quais devem ser os principais motes de nossa literatura? E quais as maiores carências a serem contadas em nossa história?

Talvez alguma instituição possua, já, algum instrumento para este fim dedicado a seus membros. Mas precisamos de um instrumento que alcance a todos, às várias cidades e mesmo pessoas que aqui não vivam, mas que tenham a região como objeto de seus estudos.

Porque não fazer Feiras de Livros? Algumas cidades baianas tem se notabilizado com isso, como Cachoeira com a sua FLICA. A realização de feiras já se estendeu por dezenas de cidades baianas, como na Chama Diamantina, cada uma com uma feira melhor. Cabe às instituições – e ao poder público – realizar feiras de livros, não apenas liberar o espaço público para aquelas feiras comerciais que vendem as sobras das grandes distribuidoras. Elas são úteis, é bem verdade, não devemos eliminá-las. Mas precisamos fazer feiras para valorizar nossos livros, nossas produções locais, regionais; conhecer melhor uns aos outros e ampliar a circulação das ideias e das pessoas que trabalham o livro.

O livro também é um produto comercial. Neste sentido é necessário criar mais espaços culturais e comerciais dedicados à cultura e ao livro. As prefeituras devem estimular a implantação de livrarias e que as papelarias abram espaço também para os livros. Uma campanha de adoção de leis nos municípios determinando, por exemplo, que toda papelaria deve ter uma estante dedicada ao livro, especialmente ao livro de autores regionais, pode dar reggae. Vamos tomar a iniciativa de procurar um vereador mais ligado à cultura em cada município?

A maior dificuldade do escritor, principalmente daquele que começa, é publicar o seu livro.  Daí a necessidade de uma editora. Bem sei que a atividade de publicar livro é uma atividade industrial-comercial que tem custos e requer lucro. E livro dá pouco lucro – embora existam alguns incentivos fiscais, não sei bem quais, mas sei que existem. Ainda assim pode-se tentar algumas saídas. Vão ideias. Uma editora pública. Algum município que banque o projeto, crie um conselho editorial e assegure a produção em formas a estudar. É exemplo a editora da Assembleia Legislativa da Bahia, a Alba Cultural, talvez a melhor editora do estado. Também a iniciativa privada pode propor parcerias com o poder público.

Outra ideia é buscar uma editora regional ou estadual para fazer uma parceria. Assegurar a venda de um número mínimo de exemplares do original que for aprovado por um conselho editorial. Isso pode abrir portas para os novos – e velhos escritores que se mantêm às escondidas.

Finalmente lembro de concursos. Algumas iniciativas têm sido tomadas: concursos de contos, de crônicas, de poesias. Mas devemos ampliá-las. Este é papel do poder público e das instituições. Porque não, como prémio maior, publicar livros de poesias, de contos, até de novelas e romances de um vencedor ou vencedores do concurso? Existe prémio maior ao novo escritor?

Eunápolis, fevereiro de 2020.

* Autor de Porto Seguro: história de uma esquecida capitania – Contato: rm45@uol.com.br

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