O conceito de dominação pelo carisma foi desenvolvido pelo sociólogo Max Weber no começo do século 20 para descrever lideranças fundadas na figura de quem comanda, no culto à personalidade de uma pessoa que corresponderia às expectativas.
É a ideia de dominação pelo carisma que explica a obediência a Adolf Hitler na Alemanha nazista, a Benito Mussolini na Itália fascista e, mais recentemente, ao ex-presidente venezuelano Hugo Chávez, ao ex-presidente argentino Juan Domingo Perón e até mesmo ao ex-presidente brasileiro Getúlio Vargas.
“Personalidades míticas têm poder demais. E isso abre caminho para que os cidadãos aceitem que o presidente governe de um modo fora da legalidade, dando a ele mais poder”, afirma o autor.
MITO É PODER
De acordo com Levitsky, nem todos os autocratas — governantes cujo poder é absoluto, arbitrário e tirano — são vistos como mitos. Entre os exemplos desse estilo citados pelo pesquisador estão o ex-presidente Alberto Fujimori, no Peru; Recep Tayyip Erdogan, presidente da Turquia, e Viktor Orbán, na Hungria.
O professor lembra ainda que nem todos os eleitores votam em um autocrata com a consciência de que estão elegendo um líder autoritário. No caso brasileiro, segundo a avaliação de Levitsky, a maior parte dos eleitores de Jair Bolsonaro na verdade quis votar contra o PT (Partido dos Trabalhadores).
“Há alguns brasileiros que votam em uma figura autoritária. Há outros que votam em um populista. Bolsonaro é alguém de fora da elite política e sabe que a classe política brasileira é muito impopular. E muitos brasileiros votam nele pelas promessas populistas de que essa elite será esmagada”, diz o cientista político.
“O problema é que, quando você vota em um populista, pode eleger um autoritário. Foi exatamente o que aconteceu na Venezuela, por exemplo. Mas, por causa da grande polarização, o que a maioria dos brasileiros fez foi votar contra o PT mesmo sem gostar ou concordar com o que Bolsonaro defende. Ou seja, não é verdade que mais da metade da população está votando pelo autoritarismo.”
O autor de “Como as Democracias Morrem” afirma ainda que os eleitores têm visões diferentes do que é uma democracia, por isso votar em um líder com aspirações antidemocráticas não é exatamente a mesma coisa que ser contra o sistema democrático.
“Quando cientistas políticos falam de democracia, estão falando da democracia liberal, que não significa somente a realização de eleições e a vontade da maioria, mas também de restrições institucionais. Isso significa que o presidente não pode governar como um ditador e assegura a ampla proteção básica dos direitos humanos e civis. Mas este entendimento da democracia não é de todos”, diz o autor.
Muitas pessoas acham que a democracia é somente a vitória da maioria. O que a maioria disser. Então, se a maioria quer Bolsonaro, isto é democracia. E, se Bolsonaro quer matar gays, isto é democracia.
Levitsky acredita ainda que, justamente porque muitos eleitores de Bolsonaro não concordam com o que ele defende, o candidato do PSL não terá uma vida fácil caso seja eleito. “Existem muitos eleitores brasileiros que não gostam e não confiam nele.”
“O governo Bolsonaro poderá ser parecido com o de [Fernando] Collor [1990-1992]. Bolsonaro poderá ainda mostrar-se politicamente inapto e isolar-se, sendo politicamente derrotado pela oposição”, analisa Levitsky.
“Outro cenário, muito pior, é se Bolsonaro decidir realmente começar a atacar as organizações criminosas, como o PCC, por exemplo. Isso pode significar uma erupção da violência. E Bolsonaro pode usar esta violência como desculpa para começar a suspender ou evitar liberdades constitucionais e mover-se em uma direção autoritária, usar a crise como uma justificativa para concentrar e abusar do poder. E isso seria bem feio”. POR PAULO BERALDO E VITOR MARQUES – ESTADÃO CONTEÚDOS.