Exploração comercial de praias já está autorizada em orlas de cidade baianas

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Mucuri já é um dos municípios que teve a solicitação aceita – Foto: Divulgação

POR THAIS BORGES – A paradisíaca Mucuri, no Extremo Sul do estado, tem 36 quilômetros de praias. Na alta estação, a ocupação hoteleira em alguns estabelecimentos chega a bater 100% no Réveillon e no Carnaval. Mesmo assim, a gerente da pousada Trilha do Sol, Kênia Lisboa, não consegue lembrar de quando a cidade recebeu um evento à beira mar.

“Chegou a ter um evento de kitesurf, mas já tem um tempo que não acontece mais. Deveria ter eventos aqui, como campeonatos de vôlei de praia, por exemplo. Se tivesse, com certeza beneficiaria o turismo. No ano passado, tivemos um evento de motociclistas no centro e encheu a cidade”, conta.

Só que a forma como a praia é ocupada deve mudar em breve – e uma das intenções da administração local, inclusive, é de passar a receber eventos privados com frequência.

Desde março, Mucuri é uma das três cidades baianas que já fazem a gestão de suas próprias praias. Tradicionalmente, era a Superintendência do Patrimônio da União (SPU) a responsável por isso, mas desde julho do ano passado, os municípios que querem gerir o uso privado de suas orlas já podem solicitar ao órgão federal. A concessão é de 20 anos, podendo ser renovada ou prorrogada.

Na Bahia, ao todo, seis municípios já fizeram o pedido à SPU. Além de Mucuri, Canavieiras e Ilhéus, também na região Sul, tiveram propostas aprovadas. Lauro de Freitas, na Região Metropolitana de Salvador (RMS) e Valença, no Sul, aguardam análise do órgão. Já Caravelas, no Extremo Sul baiano, teve a solicitação negada.

Na prática, todos que passarem a gerir suas praias terão obrigações que vão desde a elaboração de um Projeto Orla até aplicar multas em caso de construções irregulares. Só que, além disso, as prefeituras devem aumentar a arrecadação com os serviços oferecidos.

Se, antes, existia uma taxa que deveria ser paga à União e ao município, agora, a prefeitura incorpora os dois valores – e, oficialmente, pode fazer a exploração comercial da praia. Enquanto isso, a SPU “fiscalizará prioritariamente o cumprimento das condições estabelecidas no Termo de Adesão e poderá ainda atuar subsidiariamente ou mesmo independentemente da fiscalização do município”, segundo o próprio órgão.

EVENTOS

Há projetos que vão desde a realização de casamentos e festivais de música à construção de um estacionamento público. No caso de Mucuri, o secretário de Turismo da cidade, Paulo Goés, explica que, para eles, o mais importante é que, agora, o município vai poder agir em situações em que, antes, ficava de mãos atadas.

Quem erguia uma construção irregular, por exemplo, costumava argumentar com a prefeitura de que aquela era uma área federal. “Agora, a gente já pode coibir essas ações. Isso é o mais importante e o que levou a gente a participar”, diz. Para o projeto da nova orla, o município já fez sete desapropriações e deve desapropriar outros 14 imóveis – assim, vão conseguir cerca de mil metros de calçadão com academias ao ar livre e novos quiosques.

A possibilidade de arrecadação com eventos já é vislumbrada por eles. Mas, como alertam, não vai ser ‘qualquer tipo’ de evento que será liberado. É o caso de cavalgadas e qualquer outro tipo de cerimônia em que a prefeitura entender que haverá impacto ambiental.

ESTACIONAMENTO

Em Ilhéus, o vice-prefeito José Nazal explicou que o projeto da Orla existe desde 2006. No entanto, devido às limitações do poder da prefeitura, algumas ações não podiam ser realizadas.

“A gente tem um problema sério na Orla Sul e em um pedaço da Orla Norte com barracas de praia. Precisamos respeitar e definir a linha de preamar, porque houve uma erosão muito grande devido ao avanço da maré e à ação antrópica do Porto”, explica. Algumas áreas do litoral da cidade chegaram a perder mais de 700 metros.

Ilhéus tem mais de 76 km de praias – Foto: José Nazal/Divulgação

Ao todo, o município tem aproximadamente 75 quilômetros de praia e mais de 50 quiosques espalhados pela orla. Para o vice-prefeito, o novo projeto vai permitir que elas sejam padronizadas.

Às margens de onde está sendo construída a nova ponte do município, a prefeitura pretende criar um estacionamento público para mais de 860 vagas para automóveis, além de 80 para motocicletas e oito para ônibus. “A gente tem uma demanda grande no verão dos navios e fica congestionando o centro”.

O estacionamento ficará entre a pista e a areia – Foto: José Nazal/Divulgação

Segundo o secretário municipal de Comunicação, Alcides Kruschewsky, ainda não há lei de Zona Azul na cidade, mas o estacionamento será público.

“Nunca fizemos projetos de exploração comercial porque não tínhamos autonomia. Mas agora, está aberta essa possibilidade, inclusive para trazer setores de restaurantes e praças de microempreendedores”, diz Kruschewsky.

O prefeito de Canavieiras, que também já recebeu a autorização, Clóvis Almeida, reforçou que, para eles, é importante organizar a orla e fazer o planejamento arquitetônico da ocupação da praia.

“É para ter um estilo das barracas padronizadas e um turismo modernizado. Inclusive, baixei um decreto proibindo churrasco na área nobre da orla com acampamentos. Deu uma certa polêmica, um certo desgaste, mas é para organizar a ocupação do solo, que é o cartão da cidade”.

METRO QUADRADO

No caso de Caravelas, a SPU negou o pedido de gestão das praias. A justificativa era de que a cidade – que detém, inclusive, o Arquipélago de Abrolhos – não possuía praias urbanas. Procurado pelo CORREIO, o prefeito Sílvio Ramalho explicou que o resultado foi devido à falta de parte da documentação enviada ao órgão federal. Segundo ele, o que faltava já foi remetido esta semana.

Caravelas não teve pedido aceito pela SPU; prefeitura recorreu – Foto: Divulgação

Para Caravelas, como defende o prefeito, fazer a gestão das próprias praias “é muito importante”. Entre os motivos, estão desde o fato de que a cidade pode fazer mais ações de benefício ao turismo como de a fiscalização mais próxima pode ser mais efetiva. Ele já pretende aumentar o número de quiosques da praia – segundo o prefeito, Caravelas tem “10 ou 15 barracas, mas suporta muito mais”.

Entre os municípios baianos, parece ser a que já tem mais bem estruturado como serão os eventos acolhidos pela prefeitura. Um dos planos do prefeito é fazer um campeonato de canoagem que aconteça tanto no rio quanto em alto mar.

“Claro que vamos disponibilizar para eventos, como campeonatos para 10, 20, 30 municípios que trazem turistas para dentro da cidade. Isso pode trazer recursos, sem dúvida nenhuma”, afirma ele, que adianta que o aluguel do m² para eventos na praia deve ficar em torno de R$ 40.

PRAIAS PRIVATIVAS

Na verdade, como aponta a procuradora regional da República da 2ª Região Gisele Porto, que está à frente do projeto MPF pelo Gerenciamento Costeiro (MPF-Gerco), os municípios já podiam fiscalizar o uso inadequado das praias. A diferença é que, antes, dependiam da SPU para autorizar eventos e montagens temporárias.

“Entretanto, mesmo com a transferência da gestão, toda a legislação de proteção continua tendo que ser respeitada: o que a SPU não podia autorizar por vedação legal, o município também não poderá”, reforça. É o caso de atividades permanentes que privatizem a praia e que são proibidas por lei. Se o município autorizar algo vedado pela legislação, a SPU pode solicitar o retorno da gestão, além de responsabilizar a administração local civil e criminalmente.

A partir daí, tanto a SPU e o MPF devem acompanhar preventivamente se os municípios estão cumprindo as exigências do termo de transferência. Segundo a procuradora, a SPU está montando um grupo de trabalho, com o MPF, para observar cada gestão.

 

 

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